domingo, 2 de outubro de 2016

FORMAÇÃO: Santa Maria, a Mãe da Misericórdia

Santa Maria, a Mãe da Misericórdia, foi tema da catequese durante a peregrinação de fé da Rensa ao Santuário Nossa Senhora da Piedade, em Caeté, que aconteceu no sábado, 1 de outubro.

Para quem não pôde participar desse momento de espiritualidade e formação e para quem quer relembrar o que vivenciou na Serra da Piedade, o catequista Ricardo Diniz preparou um artigo com um resumo do que foi falado na catequese.


Santa Maria, Mãe de Misericórdia

Por Ricardo Diniz*    

Catequese é amadurecimento constante e permanente da fé. É avançar para águas mais profundas no seguimento de Jesus Cristo. Catequese é encantamento, é conhecimento mais profundo da pessoa de Jesus Cristo. Uma catequese sobre Maria é sempre referida a Jesus, pois os Evangelhos citam Maria sempre referida a Jesus. Ela orienta nosso olhar para seu filho, o Cristo que dá sentido a vida de todos os que O buscam. Nesse sentido, nosso tema será guiado pela catequese narrativa e querigmática, ou seja, do anúncio.

Contexto social da época de Jesus e Maria

Pagar impostos e sobreviver: isso resume muita coisa daquela época. As terras de cultivo pertenciam aos ricos que moravam nas cidades de Séforis e Tiberíades, as maiores da região. Por isso, arrendava-se a terra e parte da colheita era o aluguel do terreno. Outra parte era destinada ao imposto de Roma, recolhido pelo rei vassalo, naquela época Herodes. Esse também cobrava imposto para manter sua corte. Outro imposto era do templo, para manter uma aristocracia religiosa que também explorava o povo, principalmente com os comércios no local.

Sobrava muito pouco para o trabalhador sustentar sua família. Plantavam em qualquer terreno (pedregoso, seco, bom, com espinhosos) para alcançar uma colheita que sustentasse a todos. Assim, para sobreviver, as famílias precisavam ser coesas, unidas e numerosas. Chamavam-se clãs.  Essas famílias moravam em pequenas vilas, com cozinha comum, horta e casas escuras de um cômodo. 

Em Nazaré, a maioria da população era trabalhadores da terra. Mesmo com todos da família trabalhando juntos, era difícil pagar tudo que se devia. Quando uma pessoa não conseguia pagar, ela vendia suas filhas e filhos, exceto o primogênito, sua esposa, e até a si mesmo como escravos. Devido a grande opressão, nos caminhos da Galileia era comum pessoas serem assaltadas e violentadas. Quantos feridos Jesus não deve ter recolhido nesse caminho e levado para casa para e cuidar? “Mãe, mais um para cuidarmos!” Nesse contexto, era loucura alguém viver fora da família. Permanecer em família era o melhor jeito de sobreviver.

Jesus era o primogênito, ou seja, tinha uma grande responsabilidade de conduzir o clã, pois a ele pertencia a bênção, a herança e a liderança. Era este chefe de família que organizava o trabalho, determinava os casamentos, era o dono das mulheres e outras responsabilidades.  Quando José faleceu, Jesus assumiu essa função, mas aquele jovem de coração inquieto não se contenta em ficar em casa, com as regras e obrigações do clã. Jesus não nasce sabendo tudo. Assim como nós, ele foi descobrindo ao longo da vida seu chamado.

Batismo e anúncio

Jesus sai de casa, larga a família e vai morar algum tempo em Cafarnaum, uma pequena vila de pescadores a beira do lago da Galileia. Lá convive e faz amigos. Mas escuta que na saída do deserto, perto de Jericó, seu primo João tem profetizado e anunciado um mundo novo e uma conversão ao caminho do Senhor, vem denunciando injustiças e a opressão que os poderosos acometem ao povo pobre. Jesus vai participar do grupo de João por um tempo, porém, não sabemos quanto. As palavras de João vêm de encontro com a inquietude que Jesus carregava, que o motivou a sair de casa e buscar sua missão. Por isso aceita ser batizado: era um “concordar” de ideias.

No Batismo, Jesus escuta a voz do Pai que lhe diz que o ama. Isso é a fonte de tudo que Jesus fez e do porquê ele fez! Jesus percebeu-se amado e acompanhado pelo Pai. Guiado pelo Espírito, ele volta e anuncia o Reino do Pai. O projeto do Reino é gestado na fonte da experiência amorosa de dentro da Trindade. Jesus chama discípulos para lhe ajudarem neste projeto. Os pescadores, antes amigos de convívio, veem em Jesus alguém diferente, com uma mensagem provocadora, coerente com seu jeito de viver e que valia a pena ser seguido. Jesus e seu grupo vão caminhar por todos os cantos e a fama o seguirá.

A família de Jesus

Aí entra em questão a família de Jesus. Quando escutam sobre o paradeiro de Jesus, Maria e seus irmãos vão atrás dele. Com razão o acham louco: abandonar a família e suas responsabilidades, ficar exposto a violência pelos caminhos perigosos, suster-se com moradia e alimentos tão escassos naqueles tempos, e buscar algo que não entendiam. Assim podemos dizer que Maria, sua mãe tinha razões e preocupações de sobra para estar à procura de Jesus e tentar lhe recobrar o juízo. Só que Jesus não cede aos interesses de sua família. Podemos dizer que Maria teve uma dificuldade de compreender Jesus, de aceitar seu caminho. O caminho da fé é assim mesmo: temos dificuldade em crer; em nos converter e mudar nosso jeito de viver conforme Jesus nos ensinou; temos dúvidas; às vezes queremos que Jesus nos siga e atenda nossos desejos, enquanto que o caminho é o contrário. Todas essas fases da fé, Maria passou. E Maria se pôs a seguir Jesus e permitir-se ser moldada pelo mestre.

Um texto do Evangelho que nos permite ver isso é das bodas de Caná. O começo da narrativa diz que Jesus e seus discípulos foram convidados para o casamento e sua mãe já estava lá. Mas o que ela estava fazendo lá? Provavelmente Maria ajudou a organizar a festa, preparar bolo e docinhos, decorar, ajudar a noiva com seus ornamentos. Enfim, ela ajudou a preparar o terreno para a alegria. Imagine a expectativa para tudo dar certo! Mas o inesperado aconteceu: o vinho veio a faltar. Frustração? Não! Ela toma a iniciativa e vai buscar solução. Nos Evangelhos da infância, Maria é apresentada como alguém reflexiva, que guarda, mastiga e contempla os acontecimentos. Quando Jesus se torna adulto e busca seu caminho, Maria parece não acompanha-lo de imediato. As coisas estão crescendo e estão sendo elaboradas dentro dela, mas quando se coloca no caminho de Jesus, ela toma a iniciativa e ilumina os caminhos onde parece ter tristeza e escuridão apontando para Jesus, indicando que ele é a solução.

Comprometimento de Maria com a missão de Jesus

Quando alguém está por trás da organização de algum evento, empreendimento ou projeto, sente-se mais que envolvido, mas comprometido, totalmente dedicado! Quando algo sai errado, muitas vezes quem está de fora critica e desce a língua em quem organizou. Mas quem está dentro sente frustração e preocupação. Quem está dentro percebe a dor, a fragilidade, sente mais perto a miséria humana. Lindo isso!!! A misericórdia de Deus não vem do céu, do alto, distante, mas de dentro, de perto da humanidade. Jesus é a misericórdia de Deus presente em nosso meio. E todo cristão é convidado a entrar, a assumir o projeto do Pai, a sentir o mundo, acolher o mundo, a estar presente no mundo como presença misericordiosa e iluminadora, como Maria apontava para a fonte em Caná. Deus não quis que sua misericórdia viesse de fora da humanidade, mas de dentro.

Se no começo da caminhada de fé de Maria ela era calada, reflexiva, meditativa, agora ela é ativa, atenta, está dentro da realidade, atenta às periferias existenciais, segue Jesus com afinco e suor e é capaz de ir com Jesus até a cruz. Muitos abandonaram Jesus, mas ela não. Se Maria permanecesse com a fé de antes talvez não suportasse aquele momento e fugiria para Nazaré ficar recolhida na dor da perda do filho. Contudo, ela ficou na comunidade, ela estava junto da dor, desamparo e do medo dos discípulos que não foram capazes de seguir Jesus, até aquele momento, diante da cruz e pode experimentar o Cristo ressuscitado e Pentecostes. A fé dos discípulos parece crescer e amadurecer depois da Ressurreição, mas, Maria parece se antecipar, ela e outras três pessoas amigas de Jesus. Quem entra, quem sente de perto, quem não questiona que tudo está errado, mas busca uma solução, quem está atento às necessidades do mundo, quem entra na dinâmica da fé pessoal e comunitária, quem luta para a Igreja crescer no testemunho e ser presença misericordiosa no mundo este torna-se portador da misericórdia de Deus e antecipa a experiência da ressurreição.

A experiência de Jesus e Maria nos Sacramentos do Batismo e do Crisma

Encontramos aqui o sentido mais profundo e verdadeiro da Crisma. Mas, antes um esclarecimento: Batismo e Crisma não são dois sacramentos isolados, mas as duas faces do mesmo sacramento. O Batismo nos faz entrar na dinâmica do seguimento de Jesus, é a porta da comunidade que o segue. E pela unção do Crisma acolhemos a missão de ser Cristo no mundo. A comunidade nos acolhe e nos envia em missão. Ser presença misericordiosa no mundo.

Maria foi habitada pelo Espírito Santo, ungida, permitiu-se entrar na dinâmica do crescimento da fé, capengou, teve dificuldade, mas, entrou na comunidade de seguidores de Jesus, permitiu-se crescer na fé, ser moldada e educada por Jesus, ficou na comunidade e pôde testemunhar o Cristo ressuscitado e Pentecostes. Não mais uma Maria calada, só reflexiva e meditativa, mas, ativa, doadora, profeta da esperança, atenta às necessidades, participante dos bastidores da história, que toma iniciativas de apontar os olhares para Jesus como sentido da vida e convida-nos sempre a ouvir seu filho: Jesus.

                                                *Ricardo Diniz de Oliveira 

                                              Catequista coordenador da Comissão de Catequese da Rensa

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