Santa Maria, a Mãe da Misericórdia, foi tema da catequese durante a peregrinação de fé da Rensa ao Santuário Nossa Senhora da Piedade, em Caeté, que aconteceu no sábado, 1 de outubro.
Para quem não pôde participar desse momento de espiritualidade e formação e para quem quer relembrar o que vivenciou na Serra da Piedade, o catequista Ricardo Diniz preparou um artigo com um resumo do que foi falado na catequese.
Santa Maria, Mãe de Misericórdia
Por Ricardo Diniz*
Catequese é amadurecimento
constante e permanente da fé. É avançar para águas mais profundas no seguimento
de Jesus Cristo. Catequese é encantamento, é conhecimento mais profundo da
pessoa de Jesus Cristo. Uma catequese sobre Maria é sempre referida a Jesus,
pois os Evangelhos citam Maria sempre referida a Jesus. Ela orienta nosso olhar
para seu filho, o Cristo que dá sentido a vida de todos os que O buscam. Nesse
sentido, nosso tema será guiado pela catequese narrativa e querigmática, ou
seja, do anúncio.
Contexto social da época de Jesus e Maria
Pagar impostos e sobreviver: isso
resume muita coisa daquela época. As terras de cultivo pertenciam aos ricos que
moravam nas cidades de Séforis e Tiberíades, as maiores da região. Por isso, arrendava-se
a terra e parte da colheita era o aluguel do terreno. Outra parte era destinada
ao imposto de Roma, recolhido pelo rei vassalo, naquela época Herodes. Esse
também cobrava imposto para manter sua corte. Outro imposto era do templo, para
manter uma aristocracia religiosa que também explorava o povo, principalmente
com os comércios no local.
Sobrava muito pouco para o
trabalhador sustentar sua família. Plantavam em qualquer terreno (pedregoso,
seco, bom, com espinhosos) para alcançar uma colheita que sustentasse a todos.
Assim, para sobreviver, as famílias precisavam ser coesas, unidas e numerosas.
Chamavam-se clãs. Essas famílias moravam
em pequenas vilas, com cozinha comum, horta e casas escuras de um cômodo.
Em
Nazaré, a maioria da população era trabalhadores da terra. Mesmo com todos da
família trabalhando juntos, era difícil pagar tudo que se devia. Quando uma
pessoa não conseguia pagar, ela vendia suas filhas e filhos, exceto o
primogênito, sua esposa, e até a si mesmo como escravos. Devido a grande
opressão, nos caminhos da Galileia era comum pessoas serem assaltadas e violentadas.
Quantos feridos Jesus não deve ter recolhido nesse caminho e levado para casa para
e cuidar? “Mãe, mais um para cuidarmos!” Nesse contexto, era loucura alguém
viver fora da família. Permanecer em família era o melhor jeito de sobreviver.
Jesus era o primogênito, ou seja,
tinha uma grande responsabilidade de conduzir o clã, pois a ele pertencia a
bênção, a herança e a liderança. Era este chefe de família que organizava o
trabalho, determinava os casamentos, era o dono das mulheres e outras
responsabilidades. Quando José faleceu,
Jesus assumiu essa função, mas aquele jovem de coração inquieto não se contenta
em ficar em casa, com as regras e obrigações do clã. Jesus não nasce sabendo
tudo. Assim como nós, ele foi descobrindo ao longo da vida seu chamado.
Batismo e anúncio
Jesus sai de casa, larga a
família e vai morar algum tempo em Cafarnaum, uma pequena vila de pescadores a
beira do lago da Galileia. Lá convive e faz amigos. Mas escuta que na saída do
deserto, perto de Jericó, seu primo João tem profetizado e anunciado um mundo
novo e uma conversão ao caminho do Senhor, vem denunciando injustiças e a
opressão que os poderosos acometem ao povo pobre. Jesus vai participar do grupo
de João por um tempo, porém, não sabemos quanto. As palavras de João vêm de
encontro com a inquietude que Jesus carregava, que o motivou a sair de casa e
buscar sua missão. Por isso aceita ser batizado: era um “concordar” de ideias.
No Batismo, Jesus escuta a voz do
Pai que lhe diz que o ama. Isso é a fonte de tudo que Jesus fez e do porquê ele
fez! Jesus percebeu-se amado e acompanhado pelo Pai. Guiado pelo Espírito, ele
volta e anuncia o Reino do Pai. O projeto do Reino é gestado na fonte da experiência
amorosa de dentro da Trindade. Jesus chama discípulos para lhe ajudarem neste
projeto. Os pescadores, antes amigos de convívio, veem em Jesus alguém
diferente, com uma mensagem provocadora, coerente com seu jeito de viver e que
valia a pena ser seguido. Jesus e seu grupo vão caminhar por todos os cantos e
a fama o seguirá.
A família de Jesus
Aí entra em questão a família de
Jesus. Quando escutam sobre o paradeiro de Jesus, Maria e seus irmãos vão atrás
dele. Com razão o acham louco: abandonar a família e suas responsabilidades, ficar
exposto a violência pelos caminhos perigosos, suster-se com moradia e alimentos
tão escassos naqueles tempos, e buscar algo que não entendiam. Assim podemos
dizer que Maria, sua mãe tinha razões e preocupações de sobra para estar à
procura de Jesus e tentar lhe recobrar o juízo. Só que Jesus não cede aos
interesses de sua família. Podemos dizer que Maria teve uma dificuldade de
compreender Jesus, de aceitar seu caminho. O caminho da fé é assim mesmo: temos
dificuldade em crer; em nos converter e mudar nosso jeito de viver conforme
Jesus nos ensinou; temos dúvidas; às vezes queremos que Jesus nos siga e atenda
nossos desejos, enquanto que o caminho é o contrário. Todas essas fases da fé,
Maria passou. E Maria se pôs a seguir Jesus e permitir-se ser moldada pelo
mestre.
Um texto do Evangelho que nos
permite ver isso é das bodas de Caná. O começo da narrativa diz que Jesus e
seus discípulos foram convidados para o casamento e sua mãe já estava lá. Mas o
que ela estava fazendo lá? Provavelmente Maria ajudou a organizar a festa,
preparar bolo e docinhos, decorar, ajudar a noiva com seus ornamentos. Enfim,
ela ajudou a preparar o terreno para a alegria. Imagine a expectativa para tudo
dar certo! Mas o inesperado aconteceu: o vinho veio a faltar. Frustração? Não!
Ela toma a iniciativa e vai buscar solução. Nos Evangelhos da infância, Maria é
apresentada como alguém reflexiva, que guarda, mastiga e contempla os acontecimentos.
Quando Jesus se torna adulto e busca seu caminho, Maria parece não acompanha-lo
de imediato. As coisas estão crescendo e estão sendo elaboradas dentro dela,
mas quando se coloca no caminho de Jesus, ela toma a iniciativa e ilumina os
caminhos onde parece ter tristeza e escuridão apontando para Jesus, indicando
que ele é a solução.
Comprometimento de Maria com a missão de Jesus
Quando alguém está por trás da
organização de algum evento, empreendimento ou projeto, sente-se mais que envolvido,
mas comprometido, totalmente dedicado! Quando algo sai errado, muitas vezes
quem está de fora critica e desce a língua em quem organizou. Mas quem está
dentro sente frustração e preocupação. Quem está dentro percebe a dor, a
fragilidade, sente mais perto a miséria humana. Lindo isso!!! A misericórdia de
Deus não vem do céu, do alto, distante, mas de dentro, de perto da humanidade.
Jesus é a misericórdia de Deus presente em nosso meio. E todo cristão é
convidado a entrar, a assumir o projeto do Pai, a sentir o mundo, acolher o
mundo, a estar presente no mundo como presença misericordiosa e iluminadora,
como Maria apontava para a fonte em Caná. Deus não quis que sua misericórdia
viesse de fora da humanidade, mas de dentro.
Se no começo da caminhada de fé
de Maria ela era calada, reflexiva, meditativa, agora ela é ativa, atenta, está
dentro da realidade, atenta às periferias existenciais, segue Jesus com afinco
e suor e é capaz de ir com Jesus até a cruz. Muitos abandonaram Jesus, mas ela
não. Se Maria permanecesse com a fé de antes talvez não suportasse aquele
momento e fugiria para Nazaré ficar recolhida na dor da perda do filho.
Contudo, ela ficou na comunidade, ela estava junto da dor, desamparo e do medo
dos discípulos que não foram capazes de seguir Jesus, até aquele momento,
diante da cruz e pode experimentar o Cristo ressuscitado e Pentecostes. A fé
dos discípulos parece crescer e amadurecer depois da Ressurreição, mas, Maria
parece se antecipar, ela e outras três pessoas amigas de Jesus. Quem entra,
quem sente de perto, quem não questiona que tudo está errado, mas busca uma
solução, quem está atento às necessidades do mundo, quem entra na dinâmica da
fé pessoal e comunitária, quem luta para a Igreja crescer no testemunho e ser
presença misericordiosa no mundo este torna-se portador da misericórdia de Deus
e antecipa a experiência da ressurreição.
A experiência de Jesus e Maria
nos Sacramentos do Batismo e do Crisma
Encontramos aqui o sentido mais
profundo e verdadeiro da Crisma. Mas, antes um esclarecimento: Batismo e Crisma
não são dois sacramentos isolados, mas as duas faces do mesmo sacramento. O
Batismo nos faz entrar na dinâmica do seguimento de Jesus, é a porta da
comunidade que o segue. E pela unção do Crisma acolhemos a missão de ser Cristo
no mundo. A comunidade nos acolhe e nos envia em missão. Ser presença
misericordiosa no mundo.
Maria foi habitada pelo Espírito
Santo, ungida, permitiu-se entrar na dinâmica do crescimento da fé, capengou,
teve dificuldade, mas, entrou na comunidade de seguidores de Jesus, permitiu-se
crescer na fé, ser moldada e educada por Jesus, ficou na comunidade e pôde
testemunhar o Cristo ressuscitado e Pentecostes. Não mais uma Maria calada, só
reflexiva e meditativa, mas, ativa, doadora, profeta da esperança, atenta às
necessidades, participante dos bastidores da história, que toma iniciativas de
apontar os olhares para Jesus como sentido da vida e convida-nos sempre a ouvir
seu filho: Jesus.
*Ricardo
Diniz de Oliveira
Catequista coordenador da Comissão de Catequese da Rensa
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